6 de ago. de 2010

PAPO DE ÍNDIO



O professor indígena ARMANDO KAXINAWÁ, expoente líder da juventude Huni Kui do Acre, usou o serviço de relacionamento da web e fez contato com o repórter, Salomão Matos, e informalmente, relatou seu sentimento em relação os anseios dos povos indígenas no Acre. ISAKÁ (Onça Vermelha ou Suçuarana) como foi batizado na língua nativa, afirmou que mesmo com os problemas de alcoolismo, drogas e prostituição que infelizmente atingem as comunidades do interior e não poupa os indígenas – além da ausência do poder público; a luta pela sobrevivência e a resistência cultural permanecem. ISAKÁ criticou também, o modelo ideológico que persiste em apresentar o indígena como um ser “exótico” à margem do convívio social, que deve ser confinado nas florestas mais distantes – servindo apenas como elemento de pesquisa científica, imagens fotográficas para turistas ou ilustrações de catálogos temáticos de empresas de turismo ou campanhas ecológicas. Confira na íntegra o bate papo:

eu: O que ocorre no mundo indígena meu amigo?
Sou jornalista, meu nome é Salomão Matos e trabalho no site ac24hora e tenho um blog. Podes falar aqui? Caso queira envia-me e-mail. Meu desejo é saber da luta do teu povo e dizer ao mundo. Pode ser?

ISAKÁ: Sim!
Espere um pouco que estou finalizando algumas mensagens de e-mail... Tudo bem?
Matos, agora pode dizer amigo... Eu te adicionei no Orkut porque achei seu perfil e seu blog (www.averdadecoms.blogspot.com) muito interessante. Está ocupado no momento?...

eu: Não amigo estou a sua disposição. Acompanho um pouco a luta do teu povo e algumas lideranças como Letícia Yawanawá e Sibá Manchineri e conheço alguns dos teus parentes Kaxinawá.

ISAKÁ: Meu amigo, seja bem vindo!

eu: Tu fala de qual etnia?
Huni Kui – Kaxinawá?

ISAKÁ: UM JORNALISTA INDEPENDENTE, comprometido com a verdade e na boa fé de permitir que possamos nos expressar (?)... Maravilha!!!

eu: Sim .. Não tenho partido político e nem sigo bandeiras do sistema. Meu partido e minha bandeira se chama a VERDADE somente.

ISAKÁ: Que seja sempre esse o seu partido, ou seja, a verdade como regra das ações!
O meu partido é o “PMP- Partido dos Meus Princípios”, porém para concorrer no processo eleitoral tenho que estar filiado numa legenda partidária... E foi no PV (Partido Verde) onde encontrei o eco amazônico, a legenda mais equilibrada e comprometida com os ideais dos que conjugamos e que possui a melhor proposta na conjuntura atual.

eu: Sempre vejo e ouço falar sobre péssimas condições na área de saúde de vocês, falta de saneamento básico nas aldeias, problemas com alcoolismo, prostituição, isso existe ou é falácia política?

ISAKÁ: Se você se interessar mesmo, posso te levar nas oitenta e oito aldeias Kaxinawás, poderá ver as coisas com seus próprios olhos e formular sua opinião...

eu: Claro.. tenho interesse sim mas isso demandaria tempo e creio pelo que ouço dizer.. o mundo precisaria saber e logo o que passa. Concorda?

ISAKÁ: AMIGO, os problemas que citou não estão fora da nossa realidade, pois desgraçadamente é um "fenômeno" sociológico, resultante de um processo político-social decadente... Caso queira, pode elencar uma série de perguntas e enviar para o meu e-mail, responderei com extrema sinceridade e sem melindres.

eu: falas como se teu povo estivesse em processo de extinção é isso?

ISAKÁ: Jamais! Muito pelo contrario, nós estamos em ascensão!
Mas a nossa ascensão social não está baseada apenas em melhorias sócio-econômicas, mas na própria consciência de povo e, sobretudo, na formação cultural e política das novas gerações que não aceitam a imposição autoritária dos “donos do poder”.

eu: Isso é louvável ..mas não acha que para isso o governo precisa estar alinhado com os problemas de vocês?

ISAKÁ: Matos meu caro, somos brasileiros como você, amamos essa terra e o povo sem distinção de raça ou credo - a questão é que temos traços culturais e tradições históricas que nos são peculiares. Mas a nossa intenção é poder cortar definitivamente as cordas governamentais (àquelas que as instituições dizem que são para nos sustentar, mas que para nós é compreendido como amarras imobilizadoras e cabrestos ideológicos).

eu: Penso que o Governo e o Estado.. Sabemos que vocês são explorados desde a descoberta... Contudo o que a sociedade vê e pensa.. é que aos poucos vocês estão aos sendo engolidos pelo progresso e o avanço humano. Estou errado?

ISAKÁ: O “governo” deveria estar com todos os seguimentos da sociedade vendo a todos como interdependentes – forças correlatas, mas não somente indígenas, também os caboclos, ribeirinhos, seringueiros, castanheiros, pescadores, caçadores, produtores rurais e demais trabalhadores livres que compõe o tecido social.
eu: hummmmm.. e o que espera do futuro sem essa contrapartida? O que e preciso ser feito entao??

ISAKÁ: Realmente o “cosmopolitismo” é o devorador de toda herança cultural, mas não somente indígena – basta olhar para você e ver o quanto lhe resta de seus ancestrais!

eu: Adoro minhas origens e sou de fato acreano nato e tenho orgulho disso. Venho de uma linhagem onde minha bisavó era índia e meu bisavô nordestino vindo na era do ciclo da borracha em busca de sonhos no Acre. Talvez esse seja meu interesse e preocupação com o que sou e de onde venho.

ISAKÁ: Perfeito! Era isso que eu gostaria de ouvir de você... Veja a entrevista que concedi ao blog dos nossos produtores do Jordão –(http://www.hunikuin.blogspot.com)

MATOS, eu não sou “político” no sentido vulgar da expressão, sou um educador/professor indígena, fui CONVOCADO pelas lideranças Huni Kui (Kaxinawá) para disputar o pleito 2010. Eu aceitei o desafio pelos mesmos motivos que você narrou: - Não aceito assistir passivamente a juventude marginalizada, drogada e prostituída...

A história de luta e resistência de seus ancestrais é belíssima - por isso que não quero ser apenas o "representante dos índios", mas o índio que pode representar os anseios de muitos, entende?

eu: Todos somos políticos de alguma forma quando concordamos ou discordamos de algo...

ISAKÁ: SIM! Disse que não era "político" no sentido vulgar, como esses mercenários da vida pública, mas sou sim um agente político no sentido de atuar politicamente em defesa da garantia dos direitos das pessoas e grupos humanos.

ISAKÁ: Se aceitar minha amizade, pode me considerar um candidato à sua amizade... Quero conversar mesmo, agora e depois das eleições - independente dos resultados, pois o nosso projeto não se restringe as eleições é para toda uma vida!

eu: Admiro tua força mas vejo atrelo á culturas que não fazem parte dos teus princípios. Acredito ser preciso reconhecer e respeitar o que somos e de onde viemos. O que pensa sobre?

ISAKÁ: Sinto em dizer, mas tem muitas pessoas que ficam arrasadas/decepcionadas de verem um indígena bem vestido ou cursando uma faculdade, pois imaginam que índio deve se restringir a vida na aldeia e pronto. Pensam que somos como árvores e que devemos deixar que o expansionismo das oligarquias decida o nosso destino, se devemos ser preservados ou devastados – que temos o dever de nos manter calados nas trevas da ignorância, pois a luz do saber podemos nos libertar!

eu: Não penso assim. Quando fazia faculdade de sociologia na Uninorte, meu melhor amigo era um índio. Admirava-o também pelo seu modo de vestir e manter as suas tradições e de se orgulhar do seu povo. Seu nome CHALES YAWANAWÁ, conhece?

ISAKÁ: Ótimo! Agradeço o respeito que mantém por todos nós e nossa herança cultural... Somos e queremos ser muito mais do que o sistema quer que sejamos: - seres “exóticos da floresta”, ou mesmo elemento de pesquisa antropológica.

eu: Sim claro...

ISAKÁ: Somos povo acreano, brasileiros e sul-americanos!

eu: Os dogmas sociais é que teimam empurrar à sociedade a pensar assim

ISAKÁ: Essa é a "chave" todos querem dizer o que somos e como devemos ser - formataram um tipo indígena único e estático... Eu não perco minha identidade ao utilizar tecnologia ou estudar ciências desenvolvidas por outros povos, entende?... E outra, nasci e fui criado numa aldeia, mas preciso interagir com as demais pessoas e grupos culturais para que eu possa mesmo sedimentar minha própria cultura e cultuar os valores transmitidos pela sabedoria ancestral.

ISAKÁ: Agora vou para minha rede, pois amanhã tenho muito trabalho...

Foi muito interessante teclar com você, tenha uma boa noite e ótimo final de semana!

Eu: Obrigado. Boa noite!

Salomão Matos